sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Rica cultura compensa dificuldades de brasileiros com frio e idioma na Rússia

Brasileiros contam ao G1 como se adaptaram à vida no país.
Vida cultural intensa e segurança agradam quem vem do Brasi
l.
Fabrício Yuri Vitorino Da Globo.com, no Rio

"O inverno é o amigo do russo. Mas é necessário ter um temperamento a toda prova para resistir a essa amizade." (Julio Verne)

"A Rússia não se compreende com a razão. Na Rússia, é preciso somente acreditar". Com esses versos, conhecidos por 10 entre 10 russos, o poeta Fyodor Tyutchev definiu sua pátria. E, mais ou menos com esse espírito, muitos brasileiros partiram rumo ao misterioso país gigante para tocar suas vidas - seja estudando, trabalhando ou simplesmente vivendo um sonho.

É o caso de Ana Tereza Andrade, que, atendendo ao chamado da pátria verde-amarela, deixou o calor do Rio de Janeiro de lado, fez as malas e partiu para a Rússia, onde trabalha como professora-leitora, dando aulas de português e literatura brasileira na maior e mais prestigiada universidade do país, a Universidade Estatal de Moscou (MGU). E, até agora, não se arrependeu. "No começo é um choque cultural mesmo, mas com o tempo, estou começando a me acostumar e a entender os russos. Pelo menos um pouco...", brinca Ana.
 

Ana posa para foto em frente às fontes dançantes do parque de Tsarisino, em Moscou (Foto: Reprodução/Arquivo pessoal)


Mas nem sempre foi fácil. A carioca sofreu muito em suas primeiras semanas por lá. Além da complicada e famosa burocracia russa, que quase fez com que sua missão fosse abortada no início, a temida língua deixou a professora à beira da depressão. "No começo foi muito difícil, porque cheguei aqui sem falar nada. E aqui quase não se fala inglês!", diz.

E, também, não é para menos. O russo é uma língua eslava, com outro alfabeto, onde a sentença é dividida em elementos que ganham ou perdem sufixos de acordo com sua função sintática: são as declinações, bem ao estilo do velho latim, mas que causa uma enorme dor de cabeça nos estrangeiros que chegam ao país.

"Um episódio marcante mesmo foi quando passei mal aqui, recém-chegada, e não consegui me comunicar com a única pessoa que falava uma língua em comum comigo. Foi o momento em que me dei conta de que sem a língua russa seria difícil sobreviver", completa.

Vida cultural
E, se para os brasileiros a língua russa é um ponto negativo, as belezas e o charme da ex-União Soviética são um show a parte. É impossível não pensar no Kremlin de Moscou, na Praça Vermelha e na Catedral de São Basílio - aquela com as cúpulas coloridas - quando se fala de Rússia. E isso é só o começo de uma vida cultural riquíssima, que conta com alguns dos museus mais importantes do planeta, além de um teatro do mais alto nível e músicos - tanto clássicos quanto populares - de primeiríssima grandeza.

É como dizem os nativos: "Em Moscou, de tédio não se morre". E a cidade não para: 24 horas por dia, as opções culturais e gastronômicas são inúmeras. Afinal, os russos costumam se orgulhar de terem uma das capitais mais cosmopolitas do mundo. Em uma mesma rua, você vê restaurante de dezenas de nacionalidades e ouve outros tantos idiomas, que podem ir do inglês ao uzbeque.

Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal

Adalberto teve menos dificuldades em relação à língua, mas demorou pra se acostumar com a comida (Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal)


Segundo dados da embaixada brasileira, há apenas 180 brasileiros morando na Rússia. Um número considerado pequeno para um país tão grande. Mas compreensível, se levarmos em conta a distância física e cultural que ainda existe entre as nações, além das dificuldades políticas e econômicas que o "país dos sovietes" enfrentou até se estabilizar, no final da década de 1990. Após décadas de comunismo - quando a União Soviética era a inimiga número 1 de países capitalistas como o nosso - as sérias dificuldades econômicas vividas após o fim do regime afastaram ainda mais os brasileiros de lá.

O frio
Mas, dentre todos os fatores, nada impõe mais medo aos brasileiros do que o temido inverno russo - o famoso "general inverno", que ajudou na derrota de líderes como Napoleão Bonaparte e Adolf Hitler. Em Moscou, as temperaturas podem chegar a -35ºC. Algo absolutamente impensável para uma carioca como Ana. "Essa é uma preocupação de amigos e colegas da universidade. Recebo muitas recomendações e conselhos para me proteger do frio, não me resfriar e não ficar deprimida. Vivo me preparando psicologicamente", conta, receosa. Em regiões mais ao norte ou ao leste, temperaturas de -50ºC não são raras.

Além do frio, os brasileiros que resolvem encarar a Rússia também enfrentam a falta de sol no inverno e a falta de noite no verão. E há outro inimigo escondido nas trincheiras: o vento polar, que, se não atinge Moscou, bate em cheio em São Petersburgo, a capital do norte e segunda maior cidade da Rússia.

Construída pelo imperador Pedro, O Grande, no início do século XIX, a cidade precisou sobreviver a guerras, cercos e a um clima extremamente hostil para hoje ser considerada uma das mais belas do mundo. E lá também tem brasileiro. Adalberto Gomes da Costa foi para a "Veneza do Norte" há dois anos para estudar, e acabou ficando, também para dar aulas de português.

O professor teve menos dificuldades que Ana Tereza com relação à língua e dá o conselho: "Saber um pouquinho foi muito importante para mim. Se a pessoa não tem nem ideia do idioma, pode ter muitos problemas para se comunicar". A grande dificuldade de Adalberto é a comida, para ele, mais pobre que a do Brasil."O o único inconveniente é que eles adoram pepino, e eu detesto", brinca. E, para quem acha que o sol nunca aparece na estação mais fria do ano, Adalberto faz uma revelação surpreendente: "Quando ele aparece no inverno, vem com um frio terrível. Ele não aquece nesta época", explica, referindo-se à temida combinação vento + frio...

Fortaleza de São Pedro e São Paulo, em São Petersburgo, com uma praia improvisada (Foto: Fabricio Yuri Vitorino/G1)

Mas, no verão, São Peterburgo revela inúmeros atrativos. Catedrais, o jardim de verão e suas fontes, as pontes sobre o rio Neva - que dão a cara veneziana à cidade - e o impressionante museu Hermitage, com seus 10 prédios e acervo com mais de 3 milhões de peças. E, se a cidade não tem praia, dá se um jeito. Basta o sol aparecer - fora do inverno, como a gente já sabe -, que os locais partem para a "praia", improvisada às margens do Neva.

Segurança e convívio
Outro ponto que é sempre decisivo para os brasileiros, onde quer que estejam, é a segurança. Tanto Moscou quanto São Petersburgo são cidades consideradas seguras, onde os maiores problemas ainda são os batedores de carteiras e os bêbados. "A criminalidade aqui é menos divulgada que no Brasil. Muitas emissoras fazem, aí, um espetáculo com os crimes, mas aqui quase não mostram, por isso dá uma sensação de segurança maior", diz Adalberto.

E Ana, em Moscou, tem uma opinião parecida. "Até fui avisada para ter cuidado no metrô, porque há casos de furto de celular, mas em comparação ao Rio de Janeiro, não consigo ver criminalidade aqui. Ando na rua com a câmera digital, tiro fotos à vontade, as pessoas andam na rua falando no celular e nunca presenciei um assalto", fala, em tom de comemoração pela liberdade.

E os russos? São mesmo frios como se fala? "O primeiro contato com eles é sempre meio traumático, mas depois que os conhecemos bem, vemos que podem ser grandes amigos", responde Ana Tereza. É a velha história de "quebrar o gelo". E a viagem, seguida de um longo tempo no país, ajuda muito nisso. "Acho os russos muito parecidos com os brasileiros de uma forma geral. Em pensamento e comportamento. Tinha uma opinião diferente quando morava no Brasil, mas agora vejo quase tudo igual", explica Adalberto.

Mas, mesmo os muitos contrastes na vida cotidiana em relação à brasileira não parece desanimar nem Ana Tereza, nem Adalberto. "A adaptação não é fácil, clima, idioma e cultura diferentes... Mas agora estou mais familiarizada com a cidade e as pessoas", diz a brasileira. E Adalberto completa "A minha situação está melhor agora, já me sinto adaptado. Penso em voltar, mas só se encontrar um bom emprego no Brasil", finaliza, lembrando a velha dificuldade de valorização que profissionais qualificados ainda encontram, infelizmente, em nosso país.